Presb. Dr. Matheus Solino
Todos temos vivenciado a chegada da Pandemia do Coronavírus (COVID-19) no Brasil nos últimos dias. Ainda existem muitas incertezas de como esse novo vírus irá se desenvolver em nosso país. Tudo o que projetamos para é baseado em realidades de saúde, clima e população diferentes. Ainda não vemos hospitais em situações caóticas, pessoas doentes ao nosso redor, ruas vazias ou um cenário extremo de que os analistas falam. A previsão é que a situação comece a piorar nas próximas semanas e dure alguns meses.
Diante disso, alguns se desesperam com o caos que pode ocorrer e outros acham que é tudo uma grande histeria coletiva e que estamos fazendo uma tempestade em copo d’água. Uns dizem que isso é estratégia de Satanás e outros dizem que não temos o que fazer a não ser descansar em Deus. Não sei de que lado você está, mas com certeza a Bíblia tem uma orientação para você.
PROVIDÊNCIA DIVINA
Sempre que coisas ruins acontecem, perguntas como “onde está Deus?” surgem. Ou ainda “por que Ele deixou isso acontecer?”. Tentando responder, podemos cometer alguns erros como, por exemplo, considerar essa situação como uma vitória (mesmo que momentânea) de Satanás. Talvez pensemos que existe uma competição e o Diabo passou à frente de Deus e lançou essa maldição sobre a humanidade. Adeptos do movimento de “confissão positiva” entendem que os que ficam doentes estão fracos na fé ou em pecado. Aqueles com uma cosmovisão naturalista ainda podem interpretar que essa crise é uma questão puramente biológica e que temos cientistas trabalhando em laboratórios, epidemiologistas trabalhando na prevenção e toda a equipe de saúde de prontidão para atender os pacientes.
Para abordar rapidamente esse tema, gostaria de usar a pergunta 27 do Catecismo de Heidelberg que define de maneira clara e com exemplos como Deus exerce sua soberania:
27. O que é a providência de Deus?
R: É a força todo-poderosa e presente com que Deus, pela sua mão, sustenta e governa o céu, a terra e todas as criaturas. Assim, ervas e plantas, chuva e seca, anos frutíferos e infrutíferos, comida e bebida, saúde e doença, riqueza e pobreza e todas as coisas não nos sobrevêm por acaso, mas de sua mão paternal.¹
Então, a primeira coisa a se lembrar com o Coronavírus é que essa crise não está fora dos planos e do controle de Deus. Não devemos nos rebelar contra Ele ou perguntarmos: “Que é isso que está fazendo?” (Rm 9.19-21). O governo de Deus é para o louvor de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia². Tudo o que Ele faz é para a Sua glória e para a salvação dos Seus filhos (Rm 8.28). A providência divina alcança todos os lugares, todas as pessoas e todos os acontecimentos. Não há nada que ocorra no mundo que não esteja sob a determinação e comando de sua vontade. Não há nenhum vírus que apareça e se espalhe “por acaso”, por consequência da natureza ou por puro azar do ser humano (Pv 16.33).
Isso deve ser motivo de descanso para os crentes. Sabemos dos feitos do SENHOR para preservar e abençoar o Seu povo desde Noé, Jó, Abraão, José, Moisés, Davi e tantos outros irmãos na fé que foram colocados à prova e passaram dificuldades, porém foram achados como servos fiéis do Deus vivo.
Paulo explica como isso funciona em Rm 8.18-39. Passamos por sofrimentos e dificuldades aqui por consequência do pecado, porém nada se compara ao que receberemos na glória. Passamos esses momentos com a intercessão do Espírito e a certeza de que a obra do Filho é eficaz e eterna, e nada (“nem a morte”) pode nos separar do amor do Pai.
RESPOSTA AO SOFRIMENTO
Uma vez que estamos certos de que Deus está no controle e nada pode nos separar dEle, temos tranquilidade para encarar o sofrimento e saber como reagir. A pergunta seguinte do Catecismo de Heidelberg também nos dá essa resposta:
Para quê serve saber da criação e da providência de Deus?
R: Para que tenhamos paciência em toda adversidade, mostremos gratidão em toda prosperidade e, quanto ao futuro, tenhamos a firme confiança em nosso fiel Deus e Pai de que criatura alguma nos pode separar do amor dele. Porque todas as criaturas estão na mão de Deus de tal maneira que, sem a vontade dele, não podem agir nem se mover.³
Deus nos coloca em adversidade para testarmos nossa fé (Tg 1.2-4). A vida cristã é experiencial, isto é, deve ser testada, vivida, colocada à prova. O conhecimento intelectual não serve de nada se não conquistar o coração, promover mudança de vida e gerar o fruto do Espírito. Então, momentos como esse servem para refletirmos como anda nossa fé em Deus e onde temos colocado nossa esperança. Temos fé na ciência e esperança nos medicamentos? Ou temos fé no Deus Todo-Poderoso e esperança em Cristo Jesus?
NÃO TENTE AO SENHOR
Jesus responde à uma das tentações do diabo no deserto com a seguinte passagem: “Não tentarás o Senhor, teu Deus” (Mt 4.7). Jesus se referia à passagem de Êx 17.1-7 onde o povo testou Deus, isto é, eles estavam duvidando de Deus e quiseram testá-Lo para saber se Ele estava com eles ou não. Em Mt 4.7, o diabo também testou Jesus para ver se ele era mesmo o Filho de Deus sugerindo que ele pulasse do pináculo do templo e ordenasse que os anjos lhe sustentassem.
Em situações como a que estamos vivendo, também não podemos testar se Deus está ou não nos protegendo e nos expor a perigo desnecessário. É errado abusar da soberania de Deus se eximindo de responsabilidades. Salomão soube conciliar a soberania divina com a responsabilidade humana: “O cavalo prepara-se para o dia da batalha, mas a vitória vem do SENHOR” (Pv 21.31). Isto é, por trás do nosso preparo (na atual situação o nosso cuidado) está o agir de Deus cumprindo Sua vontade. Nós somos instrumentos dEle, responsáveis por nossas ações e por preservar vidas.
CUIDADO COM A VIDA
Então, nossa responsabilidade deve envolver “todo cuidado e todos os esforços legítimos para preservar a nossa vida e a de outros”4. Devemos ficar atentos às recomendações das autoridades e segui-las evitando assim, o mal para nós e para o nosso próximo. Assim, não tentamos Deus e fazemos o que Ele requer de nós para proteção da vida.
Isso não significa diminuir a soberania de Deus, mas ser obediente à Sua ordem. O futuro de nossa vida não depende das nossas ações, porém Deus exige que guardemos nossa vida sem nos expor ao perigo desnecessariamente.5 Martinho Lutero resumiu bem esse ponto ao escrever uma carta a outro pastor durante uma peste que assolava sua região:
“Pedirei a Deus para, com Sua misericórdia, proteger-nos. Então, farei vapor, ajudarei a purificar o ar, a administrar remédios e a tomá-los. Evitarei lugares e pessoas onde minha presença não é necessária para não ficar contaminado e, assim, porventura infligir e poluir outros e, portanto, causar a morte como resultado da minha negligência. Se Deus quiser me levar, ele certamente me levará e eu terei feito o que ele esperava de mim e, portanto, não sou responsável pela minha morte ou pela morte de outros.”6
PRÁTICA DA MISERICÓRDIA
Ao mesmo tempo que devemos nos guardar do perigo, Deus nos chama para servir ao próximo renunciando a direitos. O amor e o serviço são marcas distintivas do cristianismo. Ainda sob o Império Romano, o cristianismo teve seus maiores crescimentos em tempos de calamidade. Enquanto os pagãos fugiam das cidades afetadas abandonando família e amigos, os cristãos mostravam compaixão e cuidavam não só de outros crentes, mas também dos ímpios abandonados à morte. Esse testemunho foi tão grande que posteriormente imperadores fundaram entidades de caridade baseadas nas ações dos cristãos para que estes não crescessem mais em número nessas situações.
Temos testemunhos também de Lutero e Calvino durante pestes que assolaram suas cidades. Calvino escreveu carta a Pierre Viret da seguinte forma: “Mas, enquanto estivermos nesse ministério, não vejo que qualquer pretexto nos aproveitará se, pelo medo da infecção, formos achados faltosos no desempenho de nosso dever quando há a maior necessidade de nossa assistência”7. Lutero, ainda na carta já mencionada, escreveu: “Se meu próximo precisar de mim, não evitarei o lugar ou a pessoa, mas irei livremente”6.
AMOR AO PRÓXIMO
“Um mundo assustado precisa de uma igreja sem medo” – A. W. Tozer
Se a situação exigir, como a Igreja responderá a uma calamidade? Devemos estar de joelhos orando e indo ajudar os que precisam. Assistir nossos irmãos e testemunhar aos de fora. Somos um povo que não deve temer. No passado, o povo de Deus atravessou mares (Êx 14. 15-30; Js 3.14-17) e derrubou muralhas (Js 6), mas falhou ao confiar que Deus daria a terra prometida (Nm 13 e 14). Talvez tenhamos doentes no nosso caminho e teremos que escolher se passaremos de largo ou se nos compadeceremos (Lc 10.25-37).
Deus nos salvou segundo sua vontade para as boas obras (Tg 2.18). Preparemo-nos em oração e estejamos prontos para a ação. Cuidemos de nossa vida e da vida dos outros e as entreguemos nas mãos de Deus. Que Deus nos ajude!
AUTOR
Matheus Solino
Presbítero da Igreja Presbiteriana da Lapa (IPB) – São Paulo/SP
Médico – Ginecologista e Obstetra
Médico Residente em Mastologia
REFERÊNCIA
Catecismo de Heidelberg (CH). Domingo 10. Pergunta 27
Confissão de Fé de Westminster (CFW). Capítulo 5. Seção I
CH. Domingo 10. Pergunta 28
Catecismo Maior de Westminster (CM). Pergunta 135
CH. Domingo 40. Pergunta 105
Martin Luther, Works, v. 43, p. 132
John Calvin, Letters of John Calvin, v. 1, p. 358
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